Empresa ligada a auditor investigado pagou defesa de dono da Ultrafarma em caso anterior de crime tributário
Por: Diego Felix
Fonte: Folha de S. Paulo
Apontado pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo) como cérebro de um
esquema de fraude fiscal que teria concedido créditos irregulares de ICMS a
empresas em São Paulo, o auditor Artur Gomes da Silva Neto atuou nos
bastidores para livrar o empresário e dono da rede de farmácias Sidney Oliveira
de uma condenação por crime contra a ordem tributária e organização
criminosa em outro processo que foi encerrado em julho.
De acordo com o procedimento investigatório criminal que permitiu a prisão
temporária de Oliveira nesta terça-feira (12), foi a Smart Tax, uma empresa de
fachada, que pagou R$ 1,2 milhão pelos honorários do advogado e ex-deputado
Fernando Capez. A firma está no nome da mãe do auditor, Kimio Mizukami
da Silva.
No documento, o MP diz que chama a atenção a contratação dos serviços
advocatícios em favor do empresário. Segundo nota fiscal emitida por Capez
no mês passado e anexada ao procedimento investigatório criminal, o advogado
fechou contrato de prestação de serviço em novembro de 2024.
"Ao pagar os serviços advocatícios prestados a Sidney Oliveira, o fiscal,
evidentemente, busca ocultar a sua participação em crimes praticados pelo dono
da Ultrafarma", dizem os promotores.
"Ora, Artur sequer era investigado no procedimento investigatório criminal no
qual houve o acordo. Fica patente o seu interesse em buscar que Sidney faça
uma defesa colaborativa para encerrar a investigação", completam.
Consultado, Capez disse à Folha que já explicou ao Ministério Público qual foi
o objetivo de sua contratação no caso e que não existem irregularidades na
atuação.
"Fui contratado por uma empresa que presta assessoria fiscal à Ultrafarma para
um determinado fim. Conseguimos fechar o acordo, homologamos este acordo
e emiti uma nota fiscal indicando este fim", disse o advogado.
Este caso não tem relação com a operação deflagrada nesta terça, que investiga
um esquema que data ao menos de 2021. Sidney Oliveira era investigado pelo
Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São
Paulo) por crime contra a ordem tributária e organização criminosa entre 2018
e 2020. Ele fechou acordo para encerrar o caso e se comprometeu a pagar R$
32 milhões ao erário.
Em junho, semanas antes de uma audiência que formalizou acordo, outro
advogado de Sidney, Valdir Mocelin enviou email a Capez reiterando que o
auditor fiscal Artur Gomes sempre "afiançou sua distinta atuação" em casos
semelhantes aos que o dono da Ultrafarma respondia no MP.
O objetivo da contratação de Capez era proteger Sidney Oliveira de eventuais
questionamentos agressivos por parte dos promotores paulistas. No email,
Mocelin afirma que o empresário se sentiu incomodado com a forma como o
acordo foi endereçado e com os termos utilizados.
"Contando com sua superior presença, acompanhando o Sr. Sidney, como
advogado, solicito que o colega limite a atuação do MP Gaeco a simplesmente
questionar sobre a concordância do Sr. Sidney nos limites do que consta no
ANPP [acordo de não persecução penal], sem outras indagações de cunho
inquisitório", escreveu Mocelin a Capez.
Mocelin afirma que o empresário é pessoa honesta, respeitada no mercado e
cumpridor de suas obrigações. Havia um temor de que o caso se tornasse
público e Sidney Oliveira ficasse exposto entre a concorrência.
"O aspecto que solicito dar ênfase, por favor e se possível, é quanto ao sigilo
do que consta no ANPP, apesar de que assim já está previsto em cláusula
específica. É que o Sr. Sidney não poderá ficar exposto à maldade de outros
profissionais, principalmente seus concorrentes de atuação comercial", disse
Mocelin.
Após a celebração do acordo, Capez enviou email ao auditor fiscal com a última
versão do documento assinado por Sidney Oliveira.
O MP diz ainda que a conduta do auditor e do empresário demonstram falta de
pudor em adotar estratégias para atrapalhar as investigações criminais em curso,
o que justificaria a prisão temporária deles.
No procedimento investigatório criminal, o MP indaga quais seriam os
interesses de Artur Gomes no caso que era conduzido pelo Gaeco.
"Considerando a relação criminosa que ambos [Sidney e Artur] possuem, é
revelador que o auditor da Fazenda contrate advogados para Sidney Oliveira,
buscando protegê-lo de investigação criminal em curso", diz o MP.
Consultado, o advogado Valdir Mocelin não se manifestou até o momento.
NERVOSISMO DE SIDNEY
Em junho, durante audiência em que os promotores formalizam o acordo com
Sidney Oliveira, o empresário demonstra irritação quando lhe é atribuído o
crime de fraude fiscal. Ele afirma que nunca cometeu fraude e aparenta não ter
compreendido bem qual era a finalidade da audiência.
"Quando nós assinamos o acordo, nós assinamos uma série de admissões para
ficarmos livres de um processo criminal e todas as consequências. Nesse acordo
tem alguns requisitos que precisam ser preenchidos, é uma questão formal, uma
admissão do que está escrito no acordo que nós assinamos. Isso não vai gerar
antecedentes, não vai ter nenhum tipo de questão moral e o senhor está
encerrando completamente uma polêmica jurídica", explica Capez ao
empresário.
O caso que levou Sidney Oliveira à prisão envolve a investig de um esquema de
propinas e vestigações apontam que o auditor beneficiava grandes empresas por
meio da liberação e cessão de créditos de ICMS. Ele orientava executivos,
preparava documentos e acelerava análises. Também autorizava a transferência
de créditos para outras empresas.
Artur também contratou uma empresa de cibersegurança, possivelmente para
ocultar ou recuperar ativos ilícitos, segundo os investigadores.